L’Homme de Rio (1964)

OS LINQUES SÃO ETERNOS
por Renato Cunha

Navegar deixou de ser preciso (exato), pelo menos na internet, essa espécie de mar, onde o Google é a nau capitânia.
Dia desses, recebi uma mensagem com um linque que me intertransportou para uma cena do filme L’Homme de Rio (1964), do cineasta francês Philippe de Broca, na qual vi Brasília em seus primórdios, em plena época da construção, com montanhas de barro vermelho e prédios por fazer. Uma paisagem que me trouxe a infância, a minha, na década seguinte, quando conheci a cidade ainda rarefeita, de luz dura, e espaços cursivos, e avenidas hereges, com carros esporádicos e transeuntes invisíveis.
O homem do Rio é Jean-Paul Belmondo, que aparece na cena parodiando 007, com direito a smoking branco e malabarismos heroicos. Ao ver esse trecho — disponível no maior quebra-galho de todos os tempos para críticos e pesquisadores de cinema (leia-se YouTube) —, fiquei curioso para assistir ao filme inteiro. Liguei então para minha locadora de fé atrás do dvd — um vhs, quem sabe. Nada feito.
De volta à internet, descobri que o filme não havia sido lançado em vídeo no Brasil. Compartilhar é preciso (necessário). E achá-lo num desses shares da vida não foi difícil. Olho de vidro, perna de pau. 40 minutos e o filme já estava em meu hd, com resolução razoável e em língua original. E, já que “le moi français” não colabora, tive de buscar também o arquivo da legendagem em português.
De Broca se aventura comicamente pelo Brasil clichê.
Belmondo é um soldado francês que entra de gaiato numa história digna de Indiana Jones — um prenúncio, é claro —, quando queria mesmo era, em sua folga, curtir seu affaire, a bela Françoise Dorléac (irmã de Catherine Deneuve, a bela), que acaba sendo raptada, bem na sua frente, por exploradores gananciosos que estão no encalço de estatuetas amazônicas (a chave para um tesouro) descobertas por seu pai, um renomado arqueólogo morto misteriosamente. De repente, de Paris, pegando “carona” nas asas da Panair, Belmondo se vê no Rio de Janeiro, sem saber falar uma palavra sequer em português. Mas a providência é a providência, e ele logo encontra um engraxate descolado, de sete, oito anos, que não se intimida com o idioma francês, nem com o inglês — nem com o alemão, russo, javanês, se preciso fosse. O garoto se torna, então, seu cicerone e, depois de ajudá-lo o dia inteiro a procurar a mocinha, toma (De Broca surtou!) um scotch com o gringo em seu barraco de arquitetura funcional e vanguardista.
O filme segue com Belmondo atravessando o Brasil, em saltos adamastóricos. Do Rio a Brasília de carro, num Chrysler Roadster 1929, rosa com estrelas verdes, conectando a serra de Petrópolis ao planalto Central. Depois de deitar e rolar nos setores bancário e comercial sul, se esquivando dos bandidos, vai parar de bicicleta às margens do lago Paranoá, onde descola um monomotor para perseguir o hidroavião que acabara de decolar com a mocinha refém. Após um sobrevoo espetacular pelo corpo da cidade — Catedral, esplanada dos Ministérios, praça dos Três Poderes —, Belmondo voará mais um pouco e pulará de paraquedas, para então cair em plena Amazônia. Comédia!
Sério mesmo é o mote Le Corbusier, que não poderia ter sido esquecido num filme cheio de referências arquitetônicas. No Rio, Belmondo teve de passar correndo por entre as colunas do Ministério da Educação e Saúde, o palácio Capanema. E, como um linque chama outro, tenho de falar da exposição Le Corbusier entre dois mundos, que visitou Brasília por agora, na Caixa Cultural. Dei uma chegada lá, principalmente, para ver suas plantas pour le Brésil, e constatar sua forte ligação com Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi à toa que Brasília se tornou um dos cenários de L’Homme de Rio.
O filme não tem fôlego. O Belmondo de Godard está longe. Mas, no frigir dos ovos, acabei ganhando um linque; um linque para uma Brasília em cores, duma época em que a Catedral, o vestido de noiva, era apenas uma armação. Merci, De Broca! mesmo sem engolir a lamentável cena do guri virando o malte. (Texto retirado do VERBO21

Sobre o Projeto Laboratório Virtual - FAU ITEC UFPA

Ações integradas de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará - em atividade desde maio de 2010. Prêmio Prática Inovadora em Gestão Universitária da UFPA em 2012. Corpo editorial responsável pelas publicações: Aristoteles Guilliod, Fernando Marques, Haroldo Baleixe, Igor Pacheco, Jô Bassalo e Márcio Barata. Coordenação do projeto e redação: Haroldo Baleixe.
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