Por Juliano Pamplona Ximenes Ponte
FAU
Há algum tempo a administração da UFPA vem regulamentando instrumentos de controle, de planejamento, monitoramento e reavaliação de atividades acadêmicas. Este esforço, posto que demanda trabalho, reflexão ao mínimo administrativa e execução institucional, sugere a tentativa de profissionalizar as atividades-fins da Universidade. Em tempos de rápido giro na produção do conhecimento, de revisão das teorias e de uma realidade cuja concretude e velocidade surpreendem os analistas, pensar o conhecimento com volume equivalente e agilidade coerente com a realidade é, antes de tudo, um compromisso com a própria missão da UFPA.
Penso, contudo, que grande parte do conteúdo destas medidas de monitoramento e controle possui uma raiz, uma matriz conceitual e uma postura política equivocadas. Esta matriz é a ideia de que, de modo inadvertidamente conservador, se obtém qualidade a partir de um ambiente generalizado de competição e a partir da instalação de regras claras, inicialmente tidas como legítimas, que chancelam uma meritocracia acadêmica.
Sabemos que o atual regime de incentivo e desincentivo da pós-graduação e da pesquisa no país se baseia nas concepções de ciência & tecnologia que grassam nos Estados Unidos e em parte da Europa, sobretudo em locais como a Inglaterra, a França e a Alemanha. Somos, contudo, muito diferentes destes locais, a começar pelo nosso PIB per capita, pelo volume de recursos públicos e privados investidos regularmente em incentivo à pesquisa e pela estrutura física das instituições de ensino e pesquisa. Somos, nestes aspectos, mais pobres, mais frágeis e menos equipados. Somos, contudo, consumidores e receptores da difusão de um modelo de cabresto, onde a submissão às regras do jogo é a base, onde o cumprimento de metas de produtividade seria, em tese, o caminho para a excelência acadêmica.
A produção de conhecimento é, por vezes, errática. Até nas ciências ditas duras, exatas, naturais ou congêneres é assim, historicamente. É óbvio que o conhecimento também se faz com esforço sistemático e acúmulo intergeracional, com crítica e com reflexão duras. Mas submeter a produção científica a certos ditames, tornados absolutos, do relógio, do cartão de ponto e do controle produtivo soa como usar a capatazia industrial do século XIX para produzir a ciência do XXI. É claro, cristalino, que a simultaneidade e o começo-meio-fim dos atos devem ocorrer em algum momento; entrega-se o relatório de pesquisa, encerra-se o período de concessão de bolsas, publica-se o artigo que tenha o que dizer, entregue em prazo razoável para o editor. Tais atividades corriqueiras têm dia e hora. E devem ter.
Por outro lado, não podemos pensar em atingir a excelência dos ricos, com seus séculos de investimento, mimetizando seus mecanismos de controle. Existe, podemos pensar, um equívoco de fundamento; espremer a comunidade acadêmica em um vidro fechado, esperando que na disputa acirrada (oficialmente) por recursos saia qualidade, é torcer para que em um ambiente de eliminação saiam os bons. Como nas metáforas da selva. Competição implica em eliminação e em antagonismo, em construir o oponente vendo nele, através das regras do jogo, um impedimento para se atingir o objetivo.
A disputa corporativa pelo critério da progressão funcional ilustra esta contaminação da lógica competitiva no interior da Universidade. Colocamos o rabo balançando o cachorro; vamos obter excelência acadêmica colocando pontos a atribuir por artigo publicado (artigo em periódico, já que capítulos de livros e livros contam menos, provavelmente porque a área científica de quem elaborou o conceito assim o entende, ignorando solenemente todo o resto do conhecimento humano à sua volta), por orientação de pós-graduação stricto-sensu (onde estão os recursos hoje em dia, embora se fale de modo paternalista, voluntarista e condescendente em fortalecer a graduação, segundo o MEC) concluída, por tantos quantos forem os nossos penduricalhos no mural. O cumprimento de carga horária de trabalho e o desempenho de atividades-padrão (ensinar, orientar) não seriam mais básicos e suficientes; torna-se necessário construir e pontuar o mérito. Merecer, contudo, implica no merecimento aos olhos de outrém que, como vemos, não vê o mundo como nós, os avaliados. Como na selva da sociedade do livre-mercado, a frustração potencial é toda nossa; se não lograrmos êxito, provavelmente, é porque não somos “competitivos” o suficiente.
A lógica competitiva, arraigada como ideologia ou como fanatismo quase-religioso-porém-laico-instrumental-pragmático, já criou seus filhotes. Conhecemos aqueles colegas que se aquartelaram, ou se aquadrilharam nos departamentos, institutos e faculdades, assediando ou presidindo comissões de seleção de alunos de pós-graduação, fazendo de seus asseclas aprovados, sem maiores critérios ou fundamentos. Do mesmo modo ocorre com comissões de seleção de docentes para a carreira. Monta-se uma claque, e dali para a criação de uma unidade acadêmica da claque, é apenas uma questão de tempo. É a lógica da máfia, em síntese. Mas é tudo institucionalmente legítimo e “meritocrático”. Basta formalmente dançar conforme a música. Em alguns periódicos científicos qualificados a lógica se reproduz, e os dissidentes científicos, críticos, são “malditos” por sua dissidência ou porque não se associam, tribalizados. A qualidade deve ser valorizada, sempre; a disputa predatória, eliminatória, entre pares, talvez deva ser repensada. Por que não pode haver fluxo contínuo em certos tipos de apoio e calendário em outros? Por que todo tipo de subsídio e viabilização de pesquisa se submete tão estritamente à lógica de edital?
Atribuir pontuação como critério praticamente principal para a progressão funcional docente equivale a declarar insuficiente o cumprimento do trabalho básico no interstício; equivale também a criar, internamente e entre colegas, dificuldades adicionais para o aumento de salário, a pretexto de fazer subir, pelo sofrimento, a qualidade e a “produtividade” do corpo docente. A quem isso interessa? Ao orçamento do Ministério da Educação, que concederá menos aumentos? Devemos nos contentar com a mediocridade do feijão-com-arroz de dois em dois anos e, ao final, obter a progressão? Não se trata disso; trata-se da necessidade de se criar uma política cooperativa, gregária, e não competitiva-fragmentadora, alimentando animosidades e atomizando o professor, destituindo-lhe a ideia de categoria, deixando-lhe a figura do réu, sendo avaliado por uma famigerada banca que o julga, se “produtivo” ou “improdutivo”. Não seria mais adequado pensar em formas positivas de aumentar a produção acadêmica, e de valorização das diferentes competências dos docentes? É mesmo através do sofrimento e da opressão, entre pares, que se obtém qualidade? Ou se obtém elitismo, segregação, e um subsequente discurso encastelado no qual a excelência acadêmica é um espectro, quase sempre externo à grande maioria da comunidade acadêmica, que o observa e/ou deseja de longe, como uma meta quase impossível de se atingir na prática?
Atribuir pontos e pensar a profissionalização das atividades acadêmicas é alçar o utilitarismo à qualidade de critério político de condução institucional. A administração superior da UFPA tem se mostrado, há anos, politizada, articulada, capaz de dialogar irrestritamente com segmentos internos e externos, relacionados ou interessados na comunidade universitária e seu fazer. Acredito que seja possível um debate crítico e produtivo sobre como refazer, radicalmente, estes critérios, de modo a atingir sim, de modo solidário, os patamares de excelência que desejamos, todos, de formas diferentes. Mas sem fomentar a selva do livre-mercado como mecanismo para dourar essa pílula. Sejamos inventivos e democráticos, a favor da ascensão dos colegas e dos grupos de pesquisa, e não a favor da competição geral como se dela a qualidade surgisse, como dádiva.
FAU
Juliano Pamplona Ximenes Ponte é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará.
Penso da Seguinte Forma é simbológico ao egoísmo que a meritrocracia excludente e perversa provoca, “pensar com o umbigo”, na “forma” do umbigo que não gira nem gera energia, apesar de ser puta zona erógena com eletricidade suficiente ao prazer e à perversidade.
É a perversão do sadismo, Christina. É a perversão da elite; que gosta de olhar os demais por cima, mas sem sentir deles o fedor dos comuns.
Há coisas interessantes a serem observadas na meritocracia acadêmica das Universidades Públicas Federais brasileiras, principalmente ao que se refere à produção de escritos com novidades relevantes à sociedade (brasileira e globalizada):
Em primeiro lugar as universidades não são centros de pesquisas, ao contrário, cabe a elas achar caminhos que garantam a indissociabilidade constitucional entre o que se descobre em investigações, o que se ensina com coerência e eficácia crítica e a razão de absorção desse conhecimento pelos indivíduos que estão à borda desse micro universo sociocultural por questões históricas tando de gênero quanto de raça.
Em segundo lugar, não tão menos importante, está a boçalidade acadêmica, justamente aquela que impede que o tal tripé universitário, um espectro de experimento sociocultural que deveria ser receptivo, funcione, pois os doutos são sempre estúpidos com os que não alcançam o que se passa nesses olimpos particulares institucionalizados em nome da Ciência.
De que valem professores que devoram infindáveis teorias para vomitar suas sínteses em teses se eles não percebem a cercania humana, não se dão conta que a essa espécie pertencem; tudo isso faz a utilidade docente assemelhar-se ao multiprocessador elétrico.
A grande maioria dos “educadores” brasileiros não entende que a sociedade é orgânica e que não há utopia alguma em pretas, putas e pobres conquistarem, pelo mérito de ter nascido, dignidade; mesmo que essa dignidade não seja publicável, nem como estudo de caso.
As pretas, os pobres e as putas somos nós, de alguma forma. Não nos vemos fora deles, há uma imbricação; por isso falaste que a sociedade é “orgânica”; existe interrelação entre mim e as putas, por exemplo, e disso não posso fugir e nem me furtar, de outro modo, eu iria me colocar no mesmo Olimpo que criticamos, sobre a Universidade.
Não penso meus colegas em geral como encastelados, penso que há muitos casos em que uma elite gerencial/administrativa se cristaliza no poder-nenhum das funções gratificadas e dali emana dizeres normativos. Devemos ser anti-discriminação e pró-democratização. Vamos nos misturar que é bem melhor.
Caro Juliano,
Vindo de você não me surpreende esse texto. Atual, profundo, objetivo e até mesmo provocativo, são algumas das características que eu vejo nesse seu pensamento escrito. Eu gostaria de ler algo semelhante todos os dias.
Comparando o tempo de avaliação dos países citados com o Brasil, constata-se que o último ainda engatinha. Aproximadamente dez anos para a graduação e quarenta para a pós graduação aqui do nosso lado. A nossa idade é muito pequena e estou certo que é preciso aprimorar muito o processo avaliativo educacional no Brasil. Por sinal a CAPES anuncia para a próxima semana o resultado do último triênio.
Coincidência ou não, observo ao lado direito do site da FAU, onde foi postada a sua matéria, os conceitos atribuídos ao curso de graduação de Arquitetura / UFPA pelo e MEC e Guia dos Estudantes, colocando esse curso em um lugar de destaque.
Bem, como eu não tenho pai nem mãe; tal qual as pretas, putas e pobres; adenso a enorme borra ADJUNTO IV das Universidades Públicas Federais, até que um dia acreditem, por outros métodos que estão por inventar, que sou produtivo.
Enquanto espero por uma nova mentalidade acadêmica continuo a fazer coisinhas marginais para que todos nós deixemos de ser pretas, putas e pobres.