O azulejamento externo do Palacete Faciola

(Todas as imagens são ampliáveis)

Acima se vê o conjunto de azulejos que compõem as fachadas do Palacete Faciola e da casa ao lado – há o módulo aberto que amplia desenhos e o fechado com bordadura de acabamento -; também é possível ler, no verso das peças, o nome da fábrica alemã Villeroy & Boch.

Prelúdio

Os três primeiros donos, em 40 anos, do Palacete da Nazaré com a Doutor Moraes

O Palacete Faciola primitivamente se chamou Palacete Silva Santos; Antonio d’Almeida Faciola, pessoa pública que hoje dá nome ao edifício, só o comprou em 1916 – 21 anos após a concepção arquitetônica de José de Castro Figueiredo.
Não entender que o Palacete da Nazaré com a Doutor Moraes pertenceu a três pessoas distintas, isto nos seus primeiros 40 anos, causa prejuízos à compreensão de tudo sobre todos, porque Faciola era 25 anos mais moço que Bento José da Silva Santos, também figura pública, que encomendou, pelas suas (próprias) necessidades, um sobrado à família – seu filho, Bento José da Silva Santos Junior, sempre morou com ele e herdou, em 1908, o Palacete (renomeado para Santos Filho entre 1908-09), morrendo em 1915.
Por mais que Bento Junior tivesse a mesma idade de Antonio Faciola, Junior inaugurou a casa nova e presenciou, passiva ou ativamente, todas as modificações encontradas por Faciola quando ele lá chegou em 1916 – sabe-se que a negociação foi de porteira fechada, ou seja: móveis e objetos (incluindo os de arte) passaram a se misturar; os Bento morreram no Palacete, Faciola nasceu ali, temporão – incorporando-os.
O fato de Faciola ter em seu currículo o piano, seja como instrumentista-concertista, seja como professor do conservatório que recebeu o nome de seu amigo 29 anos mais velho: Carlos Gomes; dá à imaginação popular que tudo de belo executado no Palacete fora ideia sua; ledo engano, talvez o lado sensível do maranhense tenha sido salvaguardar a memória dos Bento (pai e filho), garantindo, enquanto vivo, o que havia de original no bem, sem o alterar em absolutamente nada – sua filha Inah se orgulhava, já nos anos 1980, da Sala do Círio, que exibia a mesma pintura em vermelho e dourado, como quando comprada em 1916, tanto que esse cômodo se deixava trancado e só era aberto em ocasiões especiais – os antigos donos orgulhavam os recentes.

[Possivelmente a única intervenção significativa, já por conta dos herdeiros de Antonio Faciola, tenha ocorrido em 1940, protagonizada pelo primogênito Oscar, que lá fora morar com a esposa e filhos, vindo de domicílio na casa do sogro, o fazendeiro Francisco José Cardoso (grande amigo de Bento Junior), após seu casamento – Cardoso alugava o Palacete Montenegro (morreu em 1938); Oscar tentou comprar o imóvel com a morte da sogra em 1940, desistiu pelo que julgou exploração do proprietário e foi habitar o que herdara, já que a irmã Inah, moradora do já Faciola, fora à Casa da Generalíssimo com seu novo marido.
Léa, filha de Oscar, relembrava que o corredor da puxada do Palacete Faciola, antes de tábuas corridas, foi coberto por ladrilhos modernos da São Caetano; Oscar também ampliou a alcova construída por Bento Pai por ocasião de suas segundas núpcias, fazendo dela (da alcova) uma suíte com banheira – hoje posta no quintal, com a demolição desse acréscimo extemporâneo na restauração -; Oscar também alteou as barras dos quartos, cobrindo pinturas decorativas antigas; nos novos frisos elevados: escápulas duplas para armar redes.]

A imagem confirma que Antonio Faciola manteve o Palacete como o adquiriu,
de forte semelhanças à Rocinha do Goedi, lar anterior dos Bento


O alpendre da Dr. Moraes

Acima temos as duas únicas fotografias datadas do Palacete de Nazaré, projetado por Castro Figueiredo para ser a residência da família de Bento José da Silva Santos e dona Catharina Maria de Lemos Santos em 1895.
Vinte anos depois se torna a casa da cidade dos Faciola – o Bem-bom, chácara no Marco da Légua, moradia dos Faciola, não fora abandonada, permanecia como sempre esteve, com seus móveis e utensílios; mas, com um acervo artístico menor: o Palacete melhor acolhia e protegia (segurança) as caras aquisições de Faciola em sua ida à Europa em 1911.

O sobrado abrigou vidas (e mortes) por mais de século e o forro do alpendre, ausente no círculo da foto pré-revitalização, sinaliza, com os arcos que se sobrepõem aos vãos de três portas escondidos, que essa cobertura lateral foi a primeira interferência no prédio já concluído; os arcos das gateiras – aberturas de ventilação e iluminação do porão -, também são diferentes, o que revela a inexistência do pátio lateral; então: nem portas seriam possíveis e sim: janelas.
Quer dizer: o alpendre e o pátio com acesso lateral ao Palacete não foram planejados; mas, enjambrados, fora da simetria daquela fachada.
De prima a equipe de pesquisa acreditou que o forro surgira de uma reforma empreendida por Faciola em 1916, em que o executor usou o artifício para esconder sua incapacidade de assentar azulejos; nada: falta de projeto: o Bento Pai não encomendou esse telhadinho para o Castro Figueiredo.
O trabalho de restauração azulejou uma superfície apenas rebocada por mais de um século; hoje, os três arcos ocultos estão visíveis; contudo, permanecem incongruentes à estrutura da cobertura, como na foto publicada em 1899 no Álbum do Pará de José Paes de Carvalho.

Simulacro do Palacete antes da colocação do alpendre – teria assim dois acessos: um pela Nazaré e outro lá pelos fundos, na cozinha, por meio do portão lateral na Doutor Moraes

Esse novo olhar ao edifício abriu caminho a um possível azulejamento promovido por Bento José da Silva Santos Junior; não ao Bento Pai, já que na descrição do Palacete no inventário feito por Bento Junior em 1908, nada consta de revestimentos cerâmicos; mas, relata os dois acréscimos vistos na foto do Palacete em 1929-30.


A alcova descrita por Antonio Lemos

Bento José da Silva Santos, quando ocupou o palacete de Nazaré, em 1898, tinha 58 anos; sua esposa, dona Catharina Maria de Lemos Santos, 60 – Catharina faleceu em 1905 com 66 anos e Bento em 1908 com 67 – casou-se novamente com Marianna Fernandes dos Santos e faleceu: tudo entre 1905 e 1908.
Os dois quartos contíguos, já existentes em 1908, podem estar relacionados ao segundo casamento de Bento Pai: seriam quarto e alcova, inclusive uma alcova baseada nos ditames publicados por Antonio Lemos em seu relatório de 1907 (referente a 1906): um compartimento íntimo iluminado e ventilado:
«… Também devemos fazer guerra sem tréguas ao systema das alcovas, quentes, anti-hygienicas, onde a temperatura se torna sensivelmente elevada ás horas destinadas ao sono de seus moradores…».
Aliás: em parágrafo anterior, Antonio Lemos praticamente descreve a planta térrea do Palacete Silva Santos (antes do quarto e alcova conjugados):
«É tempo, com efeito, de rompermos de vez com as tradicionais puxadas, ornadas de vidraças tão impróprias de nosso clima e compostas de dormitórios sem ar nem luz direta.».
O outro dormitório do primeiro pavimento (no miolo do prédio, fora da puxada) também não possuía janelas; pelas razões óbvias, os oito quartos dos altos, eram os prediletos dos moradores – pelo visto: vivo e motos.


O frontão de Nazaré

O frontão do Palacete – fachada de Nazaré

Para se chegar ao ano dessa obra, longe de um empreendimento isolado, foram analisadas duas panorâmicas com datações indefinidas, mas que contêm informações imagéticas suficientes para 1907 e 1908-09; exatamente o período de transição da propriedade do Palacete: em 1908 Bento Pai morre e Bento Filho assume como herdeiro e proprietário da casa na qual sempre morou.

A panorâmica de 1907, em sua ampliação, revela que o Palacete de Nazaré com a Doutor Moraes está com sua platibanda original, não existe frontão.
No canto direito da fotografia, no retângulo amarelo transparente, enxerga-se o Mercadinho da Primeiro de Março, propriedade de Silva Santos e Filho (ou: S.S.F.), publicado com ilustração e texto no Relatório de Lemos do ano de 1906; o mercadinho dos Bento tem frontão; o palacete dos Bento: não.

A panorâmica de 1908-09; ou seja: um ano, um ano e pouco após a morte de Bento Pai; dá ampla vista a partir Reservatório Paes de Carvalho (como a anterior de ângulo mais fechado); nela o Mercadinho dos Bento (agora só de Bento Filho) permanece como antes: com o frontão da inauguração e o palacete herdado por Bentinho, também.
A construção do frontão do Palacete não se restringiu ao adorno eclético em sua platibanda; mas, a um serviço mais completo, como o trabalho que se vê no telhado.

Comparando as obras de dois próprios dos Bento: o Mercadinho da Primeiro de Março e o Palacete Silva Santos – renomeado Palacete Silva Filho por seu sucessor -; nota-se, por similitudes, a autoria da obra: Antonio Brandão, o empreiteiro do Mercadinho (o prédio ainda existe no canto da Primeiro de Março com a Riachuelo e os contemporâneos o conheceram como Teatro Cuira – hoje um delivery homônimo).
Lamentavelmente não se consegue ver o azulejamento do casarão pela panorâmica; mas, ele estava em curso; não somente no Palacete, mas em alguns endereços da família Silva Santos e agregados, dentro do quarteirão demarcado pelas ruas Manoel Barata e Ó de Almeida, cruzadas pelas travessas Rui Barbosa e Quintino Bocaiuva.


O azulejamento externo do Palacete Silva Filho

Na Ó de Almeida (à época dos Bento se chamava Lauro Sodré), entre Rui Barbosa e Quintino Bocaiuva havia uma sequência de casas azulejadas com o mesmo padrão; tanto das peças, quanto suas montagens e assentamentos; fala-se da Villa Catharina, em homenagem à mãe de Bento Junior, dona Catharina Maria de Lemos Santos, ainda viva quando uma dessas casas possuía registro de ocupação comercial no Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Estado do Pará e indicador para 1904-1905:

Fato parecido se dava na esquina da Quintino com a Manoel Barata: residências e comércio tinham suas fachadas revestidas pelos mesmos azulejos – ver fotomontagem acima.
Essa promiscuidade periférica vizinha de uma vacaria no Reducto tinha o mesmo Villeroy & Boch que adornava a Avenida Nazaré, 28 e 26; endereços nobres de Belém.

Azulejamento concluído no Palacete quando identificado como Santos Filho – monograma da fachada: S. F.

O período é entre 1908-09; quer dizer que no final da década a família Silva Santos e agregados resolve investir em seus imóveis, revitalizando-os, já que esses prédios tinham anos de ocupação e uso.
Antonio Lemos, intendente de Belém, incentivava planos para o Reducto; certamente Bento Junior, que tornar-se-ia vogal da Municipalidade, comungava-os – caso houvesse informações privilegiadas, cravejar Villeroy & Boch nos arrabaldes de Belém, não passou de especulação imobiliária.
Mas Bento Junior, tido como o terceiro maior pagador de impostos prediais (décimas) da ciade, apostou pesado no entretenimento e na hotelaria: avalizou (deu garantias ao pagamento do empréstimo) a construção do Olympia e do Grande Hotel; cobrado judicialmente pelo Banco da Província do Rio Grande do Sul em ação federal, abriu falência em 1914 e faleceu em 1915 como vogal (vereador).
O Conselho Municipal de Belém, pela Resolução 428 de 05JUL1915, disse: “Passa a denominar-se travessa ‘Silva Santos Júnior’ a antiga de ‘Macapá’, nesta cidade, em homenagem ao mesmo vogal.”; em outras palavras: Bento Filho foi imortalizado como fronteira entre os empreendimentos que o levaram à bancarrota: o Olympia e o Grande Hotel – mas quem sabe disso?
Bento Junior também foi perenizado em Bragança: é ele o Silva Santos da praça onde está o Mercado Municipal – visivelmente outra obra por ele contratada com o empreiteiro Antonio Brandão, finalizada em 1911 – novamente: mas quem sabe disso?
Em 1916 o Palacete passa a ser propriedade do capitalista e presidente do Banco do Pará, Antonio d’Almeida Faciola, convertendo-se assim no Palacete Faciola, hoje festejado pela tardia restauração que trouxe à baila essa história há muito suprimida.
Faciola adquiriu as três casas que hoje constituem o Centro Cultural Palacete Faciola; o nº 28 (hoje nº166) foi negociado na modalidade porteira fechada, que significa que todos os bens móveis que lá se encontravam seriam incluídos, excetuando-se os de uso pessoal dos proprietários; caso complexo, já que não se trata, atualmente, de separar o joio do trigo; mas: o trigo do trigo.


Chamamos atenção ao fato de pai e filho serem homônimos: Bento José da Silva Santos e Bento José da Silva Santos Junior (“Filho”); ambos da Guarda Nacional, mas só havia um coronel, o pai, Bento Junior só chegou a major.
Neste caso se deve atentar às datas, do contrário, uma citação de jornal pode induzir ao erro como ocorreu no livro A MEMÓRIA DA HOTELARIA DE BELÉM… donde as autoras querem se referir ao Bento Junior e o jornal escreveu o nome dele errado na notícia: Manda, porém, a justiça que salientemos d´aquella o sócio coronel Bento Silva Santos, a quem se deve a idéia do Grande Hotel… – de todo modo seria impossível, já que o coronel (Bento Pai) morrera em 1908 e o Estado do Pará é de 20JUL1913.
O SILÊNCIO DO TEMPO, de Clóvis Meira (1988), faz dos dois personagens um só, matando-os antes da inauguração do Grande Hotel: Morreu no palacete da Nazaré – creio que de maneira violenta… – Bento Pai faleceu em 1908, antes de qualquer esboço do Grande Hotel e Bento Junior, em 1915, bem após a inauguração do G. H..
Morte violenta em casa parece sugestão de acidente doméstico, assassinato ou suicídio – mas nada se descobriu sobre; entretanto, na sequência, ele identifica a mestra de inglês no ginásio como filha de Bento Silva Santos que, apesar de não ser o construtor do Palacete, é o pai Enid Silva Santos.
Um texto mais antigo, sem referência alguma, reporta uma fala de Oscar Faciola: O óleo foi adquirido do velho comerciante Silva Santos e… a confusão entre os nomes se mantem; Oscar, que pela lógica não conheceu nenhum dos dois, porque ambos sucumbiram antes de sua ida ao Palacete com os pais, também condensa duas pessoas no tal “… velho comerciante Silva Santos…”.
Mas, sabe-se, só poderia ser Bento José da Silva Santos Junior, que era “velho” como o pai dele, já que tinham a mesma idade.

Sobre o Projeto Laboratório Virtual - FAU ITEC UFPA

Ações integradas de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará - em atividade desde maio de 2010. Prêmio Prática Inovadora em Gestão Universitária da UFPA em 2012. Corpo editorial responsável pelas publicações: Aristoteles Guilliod, Fernando Marques, Haroldo Baleixe, Igor Pacheco, Jô Bassalo e Márcio Barata. Coordenação do projeto e redação: Haroldo Baleixe.
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