Na expedição de Pedro Álvares Cabral se encontravam experimentados navegantes portugueses, mas também um cronista por excelência, Pero Vaz de Caminha. Foi ele quem em carta a D. Manuel I narrou todos os pormenores da chegada da esquadra, os primeiros contatos com os nativos indígenas, informando-lhe da fertilidade do nosso solo.
A epístola era o fluente recurso de comunicação entre os povos. No Brasil, seu uso foi bastante disseminado por Pedro I, pondo seu pai, D. João VI, quando já havia retornado a Portugal, a par dos últimos acontecimentos políticos. A carta, hoje, comumente tem seu emprego restrito à definição de um programa de princípios filosófico, econômico, social. Por outro lado, já se torna praxe emiti-la, na forma de denúncia à nação, por Chefes de Governo e de Estado, quando impelidos se apearem do poder, por razões de força, proveniente de grupos descontentes, patrocinadores de rompimentos do sistema democrático.
Nessas circunstâncias, após de fracassado “impeachment” e incidentes, culminando com a morte de um major da Aeronáutica, recrudescem as acusações udenistas contra Getúlio Vargas, personificadas por Carlos Lacerda, que considera seu governo “um mar de lama”. Um senador paraibano detona: “É preciso matar esse governo para que sobreviva a nação”! Sem apoio, inclusive militar, ele opta pelo suicídio, cujo desfecho se deu na manhã de 24.08.1954. Deixa-nos, contudo, a “Carta Testamento”, onde declara os motivos reais daquele triste episódio da história. Em resumo diz: “Precisam sufocar minha voz e impedir minha ação (…) na defesa dos humildes”; denuncia a “campanha subterrânea de grupos internacionais e nacionais contra o regime de trabalho e de obstarem geração de riquezas, através da Petrobrás”. Assim conclui: “Se as aves de rapina querem o sangue, continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida”!
Janio Quadros, outra vítima do udenismo inconformado com sua política externa independente, desabafa em carta, na renúncia à Presidência da República, a 25.08.1961. Parecida, em alguns trechos, a linguagem de ambos: “Desejei um Brasil para os brasileiros”. Alude, adiante, “aos apetites e ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior”. Encerra numa exortação ao povo, estudantes e operários, sem deixar de se referir à justiça social.
Em relação aos pontos levantados pelos seus antecessores, Dilma Rousseff, que também caiu na malha de uma oposição, replicante de direita e ganguesterizada como a atual, segundo imprensa norte-americana, preferiu adotar um tom mais suave, na carta que acaba de endereçar ao Senado e aos brasileiros. Diga-se de passagem, seguindo a nova tradição e sem sair de agosto, que tem sido mês mais tirânico entre nós. Poupou, pelo menos por enquanto, críticas contundentes às raízes maiores do seu impedimento, o progressivo afastamento à hegemonia estadunidense e críticas à cobiça internacional ao Pré-sal. Nesses atos, nunca a palavra golpe havia adjetivado uma situação de anormalidade democrática, como experimentada por Vargas e Janio Quadros. Empregou-a com bastante precisão. Deixa, na sua mensagem, uma janela aberta para reconciliação, ao sugerir plebiscito, entregando ao povo a decisão quanto aos destinos do país. Todavia, não o suficiente para demover quem, há tempos, se preparou para dar um golpe certeiro na democracia. Escreveu como Vaz de Caminha ingenuamente anunciou, “aqui, em se plantando tudo dá”, inclusive ditadura.
*76 anos; perseguido político do Golpe Militar de 1964.
E-mail do jornalista: inocnf@gmail.com.
Carta de Caminha
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Carta de Jânio
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