O Destino do Segundo Farol de Salinas; por Wanda Luczynski

O segundo Farol de Salinas que substituiu o primitivo Farol Velho em 1916


Há tempos, em minhas incursões pela internet, chamaram-me atenção várias postagens sobre os faróis do Município de Salinópolis, especialmente as da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (FAU-UFPA), portadoras de dados técnicos que conduzem à exatidão das informações ali contidas.
Entretanto, sempre restava uma interrogação: qual o fim dado ao chamado Farol Velho, edificado na Ponta ou Ilha do Atalaia, naquele Município?
Nada souberam dizer sobre seu destino, após sua desativação. Apenas suposições.
Até uma lenda foi criada para justificar seu desaparecimento. Nela, consta que um certo Manoel Torquato – conhecido por Trocatinho – teria sido levado, quando criança, para o fundo do oceano, pelos encantados. De tempos em tempos, aparecia e transformava-se em uma cobra. Enquanto na forma humana, pedia a alguém que lhe cortasse o rabo, para quebrar o encanto. Como não conseguisse quem assim fizesse, teria provocado muita chuva, acompanhada de enormes ondas, que solaparam as fundações desse farol, fazendo-o ruir.
Não bastasse isso, uma dissensão foi notada em outras postagens. Para alguns, em Salinópolis houve apenas dois faróis: o primeiro, de 1852, que teria sido submetido à substancial reforma, em 1916; o segundo, de 1937. Para outros, foram três os faróis ali erigidos: o primeiro, em 1852; o segundo, em 1916 e, o terceiro e atual, em 1937.
Abstração feita, por ora, ao destino do que entendo ter sido o segundo farol – destino que é do meu conhecimento desde criança – fui em busca de dados que me confirmassem a existência de três, e não apenas dois faróis.
Da leitura de vários artigos, deduz-se que o atual farol de Salinópolis, trazido do Município do Apeú, é o terceiro.
O que houve, então, com os anteriores?
Não há dissenso sobre o primeiro, inaugurado em 1852, na Ponta do Atalaia, lugar elevado de onde poder-se-ia melhor observar – ou vigiar – as embarcações que por ali passassem, para evitar desastres. Teria sido construído com tijolo, pedra e cal, provavelmente com liga de óleo de gurijuba, peixe muito comum na região do salgado.
No blog da FAU-UFPA lê-se que ele teria sido “montado sobre torre troncônica de alvenaria, com tijolos vidrados”.
Ficou conhecido como o Farol Velho e suas ruínas, parcialmente submersas, podem ser admiradas quando baixa a maré.
Há quem diga que, em 1916, ao invés de um farol novo, foi realizada uma significativa reforma no velho, afirmativa essa que destoa de diversas informações e, em especial, por causa do destino do segundo.
Assim, o segundo farol, conhecido como Farol Novo, foi construído em 1916, na mesma praia, porém em local mais alto, salvaguardado da erosão causada pela maré oceânica.
Também no blog da FAU-UFPA, lê-se que “há bastante coincidência para afirmar que o farol inaugurado em 1916, na Ponta do Atalaia, foi em substituição ao dito Farol Velho, que começou a funcionar no tempo do Império até a montagem deste em torre metálica”.
As ruínas do segundo farol estariam, supostamente, submersas no Oceano Atlântico.
A verdade é que, do segundo farol, ninguém conhece o destino que lhe foi dado, após a inauguração daquele que o sucedeu.
O terceiro e atual Farol de Salinópolis teria sido encomendado em 1891, pela Marinha Brasileira, para substituir o que já existia na chamada Praia do Farol Velho, cujas fundações ameaçavam ruir por força das marés.
Ele foi construído em Paris, em 1893, pela empresa F. Barbier et Cie., como consta de placa nele afixada, que identifica sua origem. Entretanto, ao invés de Salinópolis, primeiro foi montado na então Ilha do Apehu, onde teria permanecido de 1902 a 1936.
Desmontado, foi transladado para Salinópolis e, aqui, remontado em 1937, ao lado da igreja matriz.
Com relação a este, assim escreve Rafael Coimbra: “Sua inauguração se deu em dois atos: em 15 de agosto de 1937, quando foi bento pelo Vigário de Maracanã, Antônio Lobato e, em 20 de agosto do mesmo ano, por uma comissão de Oficiais da Marinha, chefiada pelo Capitão-de-Fragata Guilherme Bastos Pereira das Neves (…). Este é o terceiro farol. Os dois primeiros, destruídos pela força do mar, localizavam-se na ilha do Atalaia, onde hoje é a Praia do Farol Velho”.
Se, do primeiro farol (1852), pode-se afirmar que foi destruído pela força das águas do Oceano Atlântico, até porque ele foi construído em alvenaria de tijolo, pedra e cal, ligados com óleo de gurijuba, o mesmo não se pode dizer do segundo (1916), construído em estrutura metálica.
O segundo farol, após desativado, foi vendido pela Marinha, como sucata, para uma empresa do Município de Abaetetuba, onde nasci, e desmontado por meu pai, no ano de 1943.
Meu pai, Stanislaw Luczynski, nasceu em 07 de agosto de 1909, em Tarnopol, cidade que fazia parte da Polônia, quando esta constituía a soberana República das Duas Nações (Comunidade Polaco-Lituana). No correr do século XVIII, esse Reino sofreu várias partilhas entre o Império Austro-Húngaro, a Rússia e a Prússia. Tarnopol ficou com o Império Austro-Húngaro.
Por força dessa partilha, meu pai nasceu austríaco. Súdito do Imperador Franz Jozef, da dinastia dos Habsburgs.
Entretanto, finda a Primeira Guerra Mundial, a Polônia foi reconstituída como Estado independente, em 1919, tendo sido outorgado, aos de origem polonesa, a opção por esta nacionalidade, o que foi feito pela sua família.
Tarnopol, localizada às margens do Rio Seret, ficou com a recriada Polônia. Hoje, pertence à Ucrânia.
Em 1928, como muitos europeus, meu pai saiu da Polônia para a Argentina, onde permaneceu por poucos anos.
Veio para o Brasil e, em dezembro de 1936, casou-se com minha mãe, no Município de Abaetetuba. Naturalizou-se brasileiro, conforme decreto presidencial publicado no Diário oficial da União de 5 de janeiro de 1959.
Em Abaetetuba, exerceu as profissões de eletrotécnico e caldeireiro de ferro. Construía e montava caldeiras para engenhos de cana de açúcar e para navios.
Os engenhos eram compostos por uma moenda, uma casa de purgar e uma casa para as caldeiras e as fornalhas. As caldeiras eram a fonte que gerava o calor para produzir a energia que movimentava as máquinas e engrenagens dos engenhos, sob altíssimas temperaturas. Até o bagaço da cana-de-açúcar era adicionado à lenha e, queimando juntos na fornalha, alimentava o fogo para as caldeiras.
Meu pai foi responsável, dentre outras, pela construção e montagem da Usina Feliz, para fabricação de açúcar, álcool e cachaça, de propriedade da empresa B. M. Costa & Cia., às margens do Rio Paramajó, em Abaetetuba.
No ano de 1943, por meio de instrumento público lavrado nas Notas do Tabelião Vitalício Leopoldo Ceciliano Paes, do então Município de Abaeté, foi celebrado um contrato de empreitada entre a empresa M. S. Cardoso (contratante), cujo titular era Maximino Silvino de Figueiredo Cardoso, e meu pai, Stanislaw Luczynski (contratado), com a finalidade de
“demolir totalmente a armação de ferro do antigo farol do Atalaia, sito na ilha do mesmo nome, no Município de Salinas, de propriedade da contratante M. S. Cardoso”.
Outras cláusulas mencionavam as obrigações das partes. Chamam atenção as seguintes:
O contratado: “1°) compromete-se a promover o melhor aproveitamento possível do material ali existente; 2°) fica responsável pela organização do corpo de operários necessários para o aludido trabalho; 5°) obriga-se a entregar o material arrecadado a bordo da canoa que o conduzirá a Abaeté”.
O contratante: “3°) obriga-se a fornecer noventa metros de arame de aço e duas talhas com cabo para o referido serviço; 4°) pagará a quantia de quinhentos cruzeiros por tonelada de chapas de ferro e duzentos e cincoenta cruzeiros por tonelada de cantoneiras do mesmo metal e outros materiais dali retirados, inclusive as chapas dos degraus da escada; 6°) obriga-se pelas despesas de transporte do porto de embarque em Salinas até Abaeté”.
Naquela época, chamava-se talha para enormes roldanas necessárias para que fossem descidas as chapas de ferro. Parece que essas talhas podiam ser manuseadas por uma só pessoa.
Os arames eram, certamente, para atracar as chapas retiradas, levadas para as canoas que já esperavam para recebê-las e transportá-las para Abaeté.
Nesta cidade, as peças de ferro seriam utilizadas, certamente, para construção de caldeiras para os engenhos e, até, navios, vez que Abaetetuba já era conhecida pelos inúmeros estaleiros navais que ali funcionavam.
Ouvia de meu pai essa história, desde criança.
Após sua morte, encontrei o primeiro traslado da mencionada escritura do contrato de empreitada, a qual determinou a derrubada do segundo farol de Salinópolis, vendido como sucata após sua desativação.
E acabou, também, com a festa do Trocatinho.

Belém (PA), 31 de março de 2019.

Wanda Luczynski
Procuradora de Justiça aposentada
E-mail: wluczynski@oi.com.br

Sobre o Projeto Laboratório Virtual - FAU ITEC UFPA

Ações integradas de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará - em atividade desde maio de 2010. Prêmio Prática Inovadora em Gestão Universitária da UFPA em 2012. Corpo editorial responsável pelas publicações: Aristoteles Guilliod, Fernando Marques, Haroldo Baleixe, Igor Pacheco, Jô Bassalo e Márcio Barata. Coordenação do projeto e redação: Haroldo Baleixe.
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4 respostas para O Destino do Segundo Farol de Salinas; por Wanda Luczynski

  1. Carlos Pimenta disse:

    Excelente artigo da dr.ª Wanda. Os desdobramentos possíveis dessas informações da desmontagem e transporte do farol para Abaeté em plena 2ª Guerra podem suscitar outras matérias direcionada aos engenhos. Ou a modernização dessas moendas produtoras da antes famosa cachaça de Abaeté.
    Parabéns aos desenvolvedores deste rico site sobre o estado do Pará.
    Carlos Pimenta

  2. Natalina Soiza Pantoja disse:

    Historia incrível! Minha mãe Alice Souza Pantoja foi amiga da família Luczynski.

  3. Cláudio de Barros Paes Jr disse:

    Artigo e conteúdo ricos de detalhes que engrandecem nossa história. Por acaso descobri que meu avô paterno Leopoldo Ceciliano Paes, tabelião, tomou parte nessa história. Parabéns, muito obrigado e um grande abraço.
    Cláudio de Barros Paes Jr.

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