Terrina – Desenho e Guache – Motivo: Jabuti da Mata e
Cerâmica Marajoara – 34 cm x 22 cm, c. 1930
Móveis – Desenho e Guache – Motivo: Jabuti da Mata – 31 cm x 22 cm, c. 1930
Não fosse Manuel de Oliveira Pastana ter sido quem foi, seu nome já estaria escrito na história da arte e da cultura do Pará, como uma das poucas pessoas que não apenas compreenderam, mas também elogiaram a mostra, a primeira exposição de Ismael Nery. Era 1929 e, naquela época, quando os ventos do Modernismo custavam a soprar por aqui, sua voz se unia à de Eneida e à de Bruno de Menezes para dizer de “um revolucionário da arte e do meio”. E foi ele – Pastana, o que soube ver avant la letre – quem, ao longo deste século, mostrou que se pode ser eterno sem ser, necessariamente moderno e modernista ou vanguardista ou qualquer coisa que termine em “ista” ou tenha ligações com o incompreensível que quer ser estético. Prova disso é a homenagem a ele prestada pelo XVI Arte Pará. Pastana ocupa, na mostra promovida pela Fundação Romulo Maiorana, privilegiado espaço e, ao mesmo tempo, é reconhecido como um dos mais importantes artistas paraenses deste século que se vai.
Pastana foi o discípulo favorito de outro mestre, Theodoro Braga, com quem aprendeu tudo que sabia sobre desenho. Aliás, a presença de Theodoro Braga em sua vida fez desse apeuense, nascido antes da República, senhor de um traço firme e vigoroso. Determinado, se poderia dizer. Tão seguro que revelou um dos melhores desenhistas de seu tempo e um dos que melhor fizeram retratos no Brasil. Pena que o Brasil não saiba disso. Mas quem passar pelo prédio do Ministério da Marinha há de ver um imenso retrato do Almirante Tamandaré, feito pelo nosso Pastana. É um trabalho acadêmico, mas que mal há no academicismo bem resolvido, competente e, sobretudo, registro de um momento histórico da arte brasileira?
Como morava no Rio de Janeiro, levou para a tela a paisagem dos subúrbios, dos arrabaldes e da natureza cariocas. Era o Pastana-figurativo, o que deixava patra trás a fase academicista e se entregava a uma nova forma de expressão. Se a nitidez da visão lhe faltava, a sensibilidade do artista o projetava na direção de novas possibilidades no campo da pintura. Ganhou o Rio de Janeiro e ganhou Belém, cujas imagens saíram do solo urbano e entraram para a arte, registrando cenas jamais recuperáveis, como as caixas d’água do bairro da Campina, que hoje são apenas memória e, por causa, de Manuel Pastana, cores e formas.
Seu traço refinado e, às vezes, largo abriu espaço para uma pintura lisa decorativa. A mancha cromática ficou registrada através de um contraste que, se não foi a marca de sua obra, serviu para individualizá-la. O mestre e o fundador da Academia Livre de Belas Artes do Pará sabia que de sua paleta vinha uma amazonicidade, uma aquarela que só é possível a quem viu as luzes do Equador e dela extraía os melhores efeitos. Fosse ele um daqueles jovens artistas que se colocavam diante da Notre Dame para ver as variações de tom em diversos momentos do dia sobre a Catedral francesa, teria, sem dúvida, alterado pela memória visual o resultado impressionista. Pastana não estava lá e, embora tenha trazido o diploma de honra e a medalha de Prata na Exposição Mundial de Paris, em 37, ele era uma alma do Norte, instalado no centro da vida cultural do país.
O Pastana que ficou para a História tinha o perfil de um estudioso e dedicado pesquisador da cultura indígena da Amazônia. Seus estudos sobre a geometria e o traçado da arte dos povos indígenas renderam pranchas de altíssimo valor documental e pástico. Ele, como ensinou Mario Faustino, copiou para aprender e criou para renovar. Suas estilizações sobre o tema foram únicas no gênero. Com essa riqueza temática nas mãos, trabalhou faiances e bronzes que deixaram de ser marajoara ou cunani ou santarena para se transformar no que hoje diz, com o orgulho de quem possui uma peça assinada, “um Pastana”.
Diante de sua obra, dispersa em museus e galerias no Brasil e fora dele, se poderá encontrar, ou reencontrar, a alma de quem concebia a arte como reflexo do que de mais íntimo ia pela alma do artista. Ele dizia que se isso não fosse verdade, “não existira, decerto, em todo o universo, coisa alguma que merecesse a religiosa guarda dos grandes museus dos centros civilizados, onde atravessam os séculos as obras dos nossos antepassados. Tudo seria relegado ao desprezo, ou pelo menos nivelado aos triviais acontecimentos da vida burguesa”.
A pintura e as peças que ele deixou dirão, onde quer que estejam, como era rica e bonita a constelação luminosa bordada na alma de um pintor que tinha nas mãos o poder da beleza e da recriação do mundo.
Nota do Editor – É a segunda vez que Manuel Pastana é homenageado pelo Salão Arte Pará. A primeira foi no XII Salão (1993). Desta feita, mais que reconhecimento, ou ratificação de um talento, trata-se de uma questão conceitual apresentar trabalhos de Pastana, da fase antropofágica, onde fauna e flora locais são vistas e transformadas em algo maior que utensílios domésticos ou ornamentais. Pastana modificou, muito, dentro da estética do modernismo, o desenho e a pintura, como se quisesse transformar o traço’do próprio mundo.
Fonte: Fundação Rômulo Maiorana.