Há um momento, tenebroso, enigmático, desconhecido, ainda. Quando a vida acaba, seiscentos e tantos músculos do corpo quedam inertes, o coração não mais bombeia sangue para as artérias. Assim, dizem que se estabelece o fim da vida. Há de existir os que, sem apego à matéria, tratam esse momento como uma passagem de um para outro plano e muito embora a maioria tente não pensar que esse instante chegará, ele está determinado para todos. É improrrogável.
Pensava nisso enquanto visitava o que os olhos inquietos, mas, exatamente precisos de Alberto Bitar, através de imagens impactantes nos apresenta, no âmbito da exposição Corte Seco, em feitio de narrativas ou depoimento fotográfico severo, onde alguns visitantes desviavam a direção dos olhos, conforme anotei. Imagens que soube, pelo competente quanto belo texto de Orlando Carneiro, de algum modo seria consequência de pretérito episódio, ocasião em que os já, inquietos olhos de uma criança, inadvertidamente, descobriam um corpo desovado. Alguma similitude com outra cena da minha história, da qual também fui testemunha, com os olhos inocentes de menino.
Vejo, na cena artística do presente, a vida ser reencenada e transformada constantemente em arte, no feitio de mapas geográficos emocionais. Então porque não, também a morte, através da memória e sentimentos que ela desperta?
Alberto Bitar parece não enxergar nos cenários expostos, uma possibilidade de contar a história da sua história. Nem se preocupa com a habitual e simples denúncia, por exemplo, sobre o que se conhece como banalidade da violência, embora suas fotos sejam consequências dela. Muito menos compactua como uma espécie de voyeurismo de corpos martirizados, com os quais trabalham diversos artistas, mas, apresenta a própria ferida social como sua perspectiva artística e poética. É bem possível que o maior desafio enfrentado para realizar esse choque ─ corte ─ seco, tenha sido a inversão da lógica de autoindulgência, na procura minuciosa de um universo próprio, particular, onde pudesse contar histórias que se põem abertas às leituras dos espectadores.
Existe hoje, e assim me parece, uma discussão sobre terror e violência, onde se inserem questões acerca do papel das novas mídias em relação à morte. Beirando às raias do absurdo, é possível até navegar em páginas virtuais onde o “usuário” pode criar um site e “antecipar” sua própria morte. A exposição Corte Seco de Alberto Bitar, é claro, não se conecta com essas novidades. Aqueles que têm consciência da sua própria finitude, limitações e debilidades, conseguirão ser mais compreensivos e tolerantes penso eu. Os mais duros de coração sem lágrimas para derramar, terão certamente maior dificuldade para se solidarizar com o drama de corpos (anônimos?) cobertos por papéis velhos ou andrajos, em cenas de ruas pouco iluminadas, cores de chão batido, que vão da violência à tristeza. Em qualquer dos casos, o corte seco de Alberto Bitar nos fará refletir sobre como é difícil manter a vida intacta. Muito mais do que a gente possa imaginar.
Santa Maria de Belém do Grão Pará, setembro/2013.
(jbibas)
Me sensibilizou.
Aos que não entendem a finitude cabe apenas a propaganda barata de não sensibilizar, mas de surpreender… como aquelas pessoas que presenciam um acidente e não sentem nada mais que o prazer de contar a novidade a alguém, sem a sensibilidade, mas com ânimo…