SONHAR NÃO CUSTA, e eu tive um sonho…
Bem antes de começarem a falar dos 400 anos de Belém, do que fazer e como festejar essa data, eu comecei a pensar e sonhar.
– a primeira coisa foi a data, pois até menos de 100 anos atrás ainda se discutia se era dia 12 ou 26 a data exata da fundação de Belém;
– depois comecei a pensar que, qualquer fosse a data, quem nasceu foi a Cidade Velha. De fato, Belém se concretiza quando doaram a primeira légua; quando teve um território estabelecido, determinado. A ilha Pará, passou então a ser chamada de Cidade Velha, pelos moradores da Campina, depois que começaram a popular o lado de lá do Piry;
– e assim, para festejar a Cidade Velha comecei a pensar, a sonhar em melhorá-la. Convidei um amigo arquiteto em casa e lhe propus um plano para a futura aniversariante e juntos o transformamos numa coisa linda, feita no respeito da nossa memória e de todas as leis, regulamentadas ou não.
Naquele ‘sonho’ a Cidade Velha tinha suas calçadas de liós todas bem arrumadinhas para uso exclusivo dos pedestres; tinha lixeiras que iriam ser distribuidas em praças e calçadas, quem sabe até financiadas por firmas locais; tinha sua orla toda bem tratada, com um shopping na beirada com os produtos que os ribeirinhos vem comprar aqui; tinha porto para os pópópós e pronto-socorro, logo ali; as ruas fechadas abusivamente seriam reabertas e preparadas para o uso dos cidadãos; a fiação elétrica passaria a ser subterrânea, assim as calçadas ficariam livres dos postes que impedem o seu uso por pedestres; as placas com os nomes das ruas diriam também quem era aquela pessoa ou aquela data a que se referia; as casas dos moradores famosos do bairro teriam uma placa de identificação sobre quem ali morou; tinha um bonde que passava pela Dr. Assis, saindo da Praça do Relógio, dando a volta na Praça do Arsenal e voltando ao ponto de partida, como a antiga linha Bagé; os moradores da baixada do Carmo iam morar nos arredores do Mercado do Sal e ali nasceria um ‘orgão’, movido pela agua do rio; as cores das casas voltariam a ser aquela da nossa memória; atrás do palacete Pinho, nasceriam áreas para atividades esportivas destinadas a todas as idades; do lado de lá da área tombada, seria incentivado o nascimento de bares/restaurantes; nas praças seria prevista a venda de tacaca, garapa e os doces regionais; nos arredores do canal da Tamandaré nasceriam estacionamentos e ele iria receber paisagismo, iluminação e limpeza constante; concursos de “flores na janela” iam ajudar a colorir as ruas; os 200 metros de distancia de igrejas e colégios, previstos no Código de Postura, para a realização de eventos, iriam ser respeitados; para salvaguardar as ‘herdades’ da trepidação, ficaria proibida bandas rumorosas (e afins) no bar das 11 Janelas e no entorno de monumentos tombados; seria incentivado o carnaval de bandinhas e mascarados; a Guarda Civil iria cuidar das praças durante o dia e a Policia Militar, durante as noites;…
O sonho continuava determinando até a roupa das vendedoras de comida, ou seja, a mesma roupa que usam as personagens que a nossa pintora Feio imortalizou nos seus quadros em visão no MABE….. mas daí, eu acordei.
Na Comissão dos 400 anos e mesmo nas sub comissões não tem espaço para sonhos. As duas ou três propostas que ousamos fazer, juntamente com muitas de outras pessoas, foram eliminadas. Até as campanhas educativas maciças e permanentes nas escolas municipais, para criar ou levantar nossa autoestima desapareceram; as aulas sobre patrimônio histórico e ambiental, idem. Resta saber se essa eliminação é uma transferência das propostas às Secretarias competentes por argumento. Quem dera, mas quando saberemos disso?
Acho que esse ‘sonho’ acabou mal… através dessa Comissão, não vamos ter nada disso. A salvaguarda, a defesa, a preservação e a valorização da nossa herdade, são argumentos que vamos ter que nos ativar para continuar cuidando de algum modo e bem de perto, para evitar de perder totalmente nossa memória… e a Cidade Velha, seus moradores e as leis, coitados, vão continuar sendo ignorados.
Publicado originalmente em CiVViva.