A fotografia acima, atribuída a Felipe Augusto Fidanza pela Biblioteca Nacional, revela uma cena “banal” do verão belenense em meados da década de 1870 no leito já executado da Estrada de Bragança — sem os trilhos de ferro.
A luxuosa carruagem e seus ocupantes (mais o retratista) bem ilustraria uma matéria do jornal Diário de Belém publicada em duas partes, a primeira em 25 e a segunda em 29 de agosto de 1869 — ultimamente intitulada Passeio a Estrada de Bragança.
O periodista fala de sua aventura domingueira, a cavalo, com destino ao magnífico engenho de Marituba de propriedade do francês Affonso Maugin, citado na postagem anterior como engenheiro Affonso Mungin Desincourt; tal empreendimento açucareiro é descrito em detalhes no jornal.
Na ida, à primeira ponte, o autor encontra o empresario dos trilhos urbanos, o honrado negociante Bond, acompanhado de dois compatriotas, provavelmente engenheiros, que examinava o terreno e tomava medidas.
A cada passo encontrava-se muitos outros cavalleiros, e algumas senhoras á carro (leia-se carruagem).
Após a terceira ponte, em Ananindeua, numa tosca choupana: Hotel da Paciencia: frango assado, presunto, chambertin, Porto, Mocca & — graciosa surpresa deste almoço e de tão auri-elegante sociedade.
A pé seguiram ao engenho de Marituba onde encontraram varios cavallheiros, negociantes, proprietarios alto funccionarios, e o fundador* de uma outra companhia de navegação á vapor.
Antes de finalizar sua narrativa, no retorno da odisseia, o jornalista não resiste ao canto (ou conto) de dois lindos chalés suissos, na 2ª ponte, debruçados sobre o Murutucú, em frente um do outro? Desenho de gosto puro e correto, janelas ogivaes, aspecto pittoresco, forma aerea, colocados no centro de jardins risonhos e phantasticos. Bombas invisiveis como as fadas levantam a agua em jorros e as derramam á descripção.
Isto tudo é imaginação?… porém breve será realidade — talvez uma visão do progresso iminente anunciado pela materialização da Estrada de Bragança (Que grande transformação se nota na estrada de Bragança, de hontem para hoje.) que provocou uma estupenda corrida aos terrenos nacionaes para os mais diversos fins.
E os trilhos de ferro?
*José Joaquim Saraiva de Miranda, presidente da recém implementada (em 1869) companhia fluvial do Alto Amazonas [que não é a Fluvial (Paraense) nem a do Amazonas], em 1875 lotearia a fazenda de Queluz, situada no largo da Independência (ou São Brás), botando à venda seus terrenos quando nem se sonhava o posicionamento da Estação de São Brás que só teria sua pedra inaugural em 17 de janeiro de 1884 (em Queluz) — um ano antes do mesmo investidor português ser julgado demente e interditado.
Referência: Passeio a Estrada de Bragança.
Lembremo-nos que o escrito do Diário de Belém se passa em agosto de 1869 numa estrada mais antiga que a da foto no topo, sem nenhuma definição sequer dos quarteirões e arruamento transversal da nova via entre a Praça da Independência e o Marco da Primeira Légua [pela sequência do caminho original seria Riachuelo: sitio do dr. Freitas (?)] que só estariam designados por Nina Ribeiro a partir de um levantamento feito à Vereação do Quatriênio 1883-1886; ou seja: 17 anos depois, mas sob o período imperial escravocrata brasileiro.
O texto tomado como referência assim ratifica o dito:
Chovem na secretaria requerimentos pedindo terrenos nacionaes: vieram ás desenas, ás centenas e aos mil. Cada um dos mil pretendentes allegava rasões de preferencia á seo favor, e exigia do juiz comissionario que lhe designasse o lote melhor e mais perto da cidade. Para satisfazer as despezas de demarcação, alguns entendiam que bastava descompor os demarcadores pela imprensa e fora della; e assim vão as cousas. (impertinente grifo nosso)