O Breguet 118 no Chapéu Virado; por Alan Watrin Coelho

Jornal Folha do Norte de 14DEZ1927

Todo 6 de julho, quando Mosqueiro comemora aniversário, lembro de uma postagem do Laboratório Virtual – FAU feita a 16 de novembro de 2015 e intitulada “O avião que pousou nas areias do Chapéu-virado em 1929”. Isso porque Mosqueiro foi o local onde passei minhas férias de infância no início da década de 1980 e uma das muitas lembranças que guardo delas era torcer para um avião de verdade pousar na “pista do aeroporto” da Vila, algo que nunca passou de sonho de criança, já que nessa época, a pista já havia sido fechada devido a instalação de cabos de alto tensão. Daí a surpresa ao ler “O avião que pousou nas areias do Chapéu-virado em 1929” e descobrir que aviões pousaram nas areias da justamente praia que frequentava quando criança.
Outra coisa que me chamou atenção na postagem foi com relação ao “Postscriptvm” publicado a 18 de novembro de 2015 e que se refere ao pouso no Chapéu Virado do “Breguet 118” da companhia francesa Latécoère em 1927. Nele estão presentes duas dúvidas: a data do pouso, sobre o qual o historiador Augusto Meira Filho afirma em seu “Mosqueiro Ilhas e Vilas” (1978) como tendo ocorrido a 13 de outubro de 1927, enquanto os recortes dos jornais citados no site se referem como tendo ocorrido a 13 de dezembro; depois com relação ao tipo de avião, tanto pelo fato de que a Breguet nunca produziu um modelo designado “118” como pela dúvida se ele teria aterrissado ou amerrissado, segundo notícia do Jornal do Brasil de 16 de novembro de 1927.
Para resolver a questão, me dirigi ao setor de microfilmes da Biblioteca Pública Arthur Vianna e solicitei primeiramente os jornais disponíveis de outubro de 1927. Havia dois títulos, “Folha do Norte” e o “Estado do Pará”, mas em nenhum achei referência a chegada do “Breguet 118” ao Chapéu Virado. Em seguida, solicitei os mesmos jornais referentes a dezembro de 1927 e na primeira página da “Folha do Norte” de 14 de dezembro de 1927 encontrei a notícia “A navegação aérea no Brasil: Desde ontem se acha em Belém o ‘Breguet 118’ da Companhia Latécoère, tendo descido na praia do Chapéu Virado”.
A foto que ilustra a notícia não deixa dúvidas de que se trata de um Breguet XIV, originalmente um bombardeiro da Primeira Guerra Mundial e que, ao final do conflito, teve unidades adaptadas como avião de correio aéreo pela Latécoère. Esse avião não possui capacidade para pousar na água (amerrissar). Uma nova pesquisa na internet revelou que esse avião foi produzido em 1922 e que “118” é, na verdade, o seu número de produção pela Breguet. Registrado F-ALXE, na chegada ao Chapéu Virado no dia 13 de dezembro, ele era pilotado por Paul Vachet (1897-1964), um dos principais pilotos da Latécoère e que em 1922 foi o responsável pelos estudos para o estabelecimento da linha da companhia para o Norte da África. Completava a sua tripulação o engenheiro mecânico Michel do Goull e o mecânico Marcel Gaffé.
O objetivo da viagem era, segundo a “Folha do Norte”, “proceder a estudos sobre locaes que se adaptem á construcção de um aeródromo, ponto essencial para os fins visados pela Latecoère”, no caso a instalação “de uma linha de navegação aérea, ligando, por um processo mais rápido de communicações, os diversos Estados do Norte com os do sul do paiz e outros pontos do continente americano”.
Mas porque pousar no Chapéu Virado? Primeiro, porque não havia naquela época pistas de pouso tanto em Belém, algo que só apareceria com o Campo do Sousa em 1930. Isso não era uma condição apenas de Belém, já que em outras cidades brasileiras era comum os aviadores buscarem uma superfície mais ou menos plana o suficiente para aterrissar como, por exemplo, uma praia. O próprio Vachet fez isso na escala anterior a Belém, no caso São Luís, quando pousou e decolou na praia de São Marcos. Segundo a “Folha do Norte”, a ideia dos aviadores era sobrevoar Belém, mas como notaram “que a maré já enchia quando passavam ao Mosqueiro”, foram “obrigados a aterrar antes que as praias ficassem tomadas pela água”. Para ajudá-los no pouso, o cônsul francês, François Chiarasini, em companhia de funcionários da Port of Pará, foram até “a alludida praia” e acenderam “uma fogueira para, com a fumaça da mesma, indicar aos aviadores a direcção do vento, tendo também mandado fincar ao longo da praia as bandeiras franceza e paraense”.
Após o pouso, os aviadores foram recepcionados “com applausos delirantes e vivas a França e ao Brasil” por uma “multidão, na sua maioria composta por senhoras e senhorinhas”. Os pilotos então foram descansar no hotel do Chapéu Virado, onde “Vachet pediu que lhe servissem Guaraná Simões, gelado, no que foi attendido”.

Sobre o Projeto Laboratório Virtual - FAU ITEC UFPA

Ações integradas de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará - em atividade desde maio de 2010. Prêmio Prática Inovadora em Gestão Universitária da UFPA em 2012. Corpo editorial responsável pelas publicações: Aristoteles Guilliod, Fernando Marques, Haroldo Baleixe, Igor Pacheco, Jô Bassalo e Márcio Barata. Coordenação do projeto e redação: Haroldo Baleixe.
Esta entrada foi publicada em História e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta