Natal com a vovó dentro do computador

Todo ano é a mesma coisa. Apesar das distâncias, dos compromissos e desencontros, o natal é a única festa que ainda consegue reunir a família inteira. Lembra daquela história da magia do natal? Ou ela existe mesmo e transforma as coisas ou é a gente que se esforça mais nessa época e sempre acaba dando um jeitinho pra fazer tudo funcionar. A minha família, por exemplo, se reúne sempre em Belém do Pará, onde mora dona Elna Trindade, a minha vovó. E todo ano é parecido: quem nunca tem tempo pra nada, por exemplo, nessa época arruma umas horinhas pra decorar a árvore, ajudar na cozinha, embalar presente, paparicar os sobrinhos que cresceram tão rápido…

E esse ano teve a minha vó, que sempre gostou de tecnologia, indo parar dentro do computador. É, isso mesmo. Como ela foi parar lá dentro? Bom, explico.

Mesmo com 77 anos, a vovó sempre teve saúde de ferro. Mas há alguns meses, ela começou a ficar doente. E aí bem no dia do natal, o coração dela começou a dar susto na gente, com uma arritmia (também, são muitas emoções, né?). A cardiologista veio visitar e achou melhor não dar espaço pro acaso: direto pro CTI. Vovó relutou, fez bico, mas resolveu ser “uma paciente muito paciente”, como ela costuma dizer que é, e obedeceu. Passar justo a noite de natal internada e longe da família (não pode fazer visita no CTI) é bem ruim. Mas pior é correr o risco de morrer. Então lá foi a vovó, debaixo de uma avalanche de carinho (com 8 filhos e xx netos, é muito beijo e abraço).

E aí a vovó, que não desanima nunca, também não deixou a gente desanimar. Proibiu todo mundo de ficar triste. Ordenou que o natal fosse comemorado normalmente, com a família reunida, comilança, cantoria e Papai Noel visitando a criançada. Pediu que a gente tentasse fazer essa noite ser igual às dos anos anteriores. E lá fomos nós fazer o máximo. Por que eu não sei como é na sua casa, mas aqui, quando a vovó manda, todo mundo obedece.

Primeiro, uma das netas prometeu filmar a festa toda. A vó gostou da idéia, mas achou que não era o bastante. Pediu pra que arranjassem um computador pra ela. Um neto deu um jeitinho: levou um notebook com webcam e microfone pra CTI (é, ele teve que burlar as leis um pouquinho pra entrar lá, vai ser nosso segredo de Natal, tá?). Depois, foi só levar outro notebook pra sala de casa e tchan nan: deitadinha lá na cama do hospital, a vovó pôde ver toda a família reunida. Por videoconferência, apareceu em tela cheia e conversou com todo mundo. Mandou milhões de beijos, mostrou que estava bem e até cantou “bate o sino pequenino, sino de Belém” com a criançada. Passeou pela casa inteira nos braços dos netos. Participou do nosso natal e ficou pertinho da família, mesmo estando um pouco mais longe. E lá pelas tantas pediu às netas que gostam de escrever “não deixem passar em branco o nosso natal tecnológico!”.

Verdade seja dita: a nossa vovó não faz parte do time de velhinhas que tem aversão à tecnologia. Pelo contrário. Ela passa horas navegando pela internet, manda e-mails pra família inteira, adora videogame, é mestre em Power Point, faz umas animações incríveis em Flash e não desgruda do palm top. Sempre se arma com toda a calma e paciência que só ela tem, senta em frente ao computador e fuça, fuça, fuça, até aprender. Nunca houve limites pra ela. E não seria uma UTI que agora a impediria de passar o natal com a família.

Quando a vovó pediu pra que a gente escrevesse sobre o nosso natal tecnológico, creio que não foi pura e simplesmente pra registrar e pronto. É claro que foi empolgante ter a vó com a gente pela telinha do computador, e só essa alegria já dá vontade de compartilhar. Mas do alto de sua sabedoria de vó, dona Elna queria que a gente passasse adiante algumas lições. Pode ser para que as outras vovós por aí não se assustem com a tecnologia, percebam que ela é fantástica e trabalha pro nosso bem. Ou que os netos espalhados por todo o mundo não percam as esperanças de passar o natal com suas vovós, mesmo quando parece que elas estão indo embora. Ou talvez simplesmente ela quisesse dizer pras pessoas que o espírito de natal existe e está mais vivo do que nunca. Seja na risada das crianças ganhando presente do Papai Noel, seja nos bytes que a gente envia e recebe em um notebook na noite de Natal.

Gisela Blanco
29/12/2008

Texto e ilustração publicados no site Overmundo.

A “vovó Elna” da Gisela, infelizmente, faleceu hoje, justo na véspera de Natal; dona Elna Andersen Trindade, viúva do ex-senador da República e superintendente do extinto jornal A Província do Pará, Milton Blanco de Abrunhosa Trindade — irmão do arquiteto e compositor Billy Blanco —; é, e para todo o sempre será, mãe de nossa querida professora Elna Maria Andersen Trindade: “a Elninha da dona Elna”. 

Sobre o Projeto Laboratório Virtual - FAU ITEC UFPA

Ações integradas de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará - em atividade desde maio de 2010. Prêmio Prática Inovadora em Gestão Universitária da UFPA em 2012. Corpo editorial responsável pelas publicações: Aristoteles Guilliod, Fernando Marques, Haroldo Baleixe, Igor Pacheco, Jô Bassalo e Márcio Barata. Coordenação do projeto e redação: Haroldo Baleixe. Membros da extensão do ITEC vinculada à divulgação da produção de Representação e Expressão: Dina Oliveira e Jorge Eiró.
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3 respostas para Natal com a vovó dentro do computador

  1. Maria Eunice de Avelar Marques disse:

    Quero deixar neste espaço um abraço comovido a toda esta família especial, que agora sente profundamente a falta de D. Elna. Não a conheci pessoalmente, mas através dos relatos da filha, a querida amiga Elna, esta figura tão especial que encanta a todos que tem o privilégio de conhecê-la; e agora conheço mais um pouquinho a Vovó Elna, com este texto que também é um exemplo de bem viver para todos nós.
    Sou de Belo Horizonte, companheira de trabalho na CAIXA, e deixo um abraço a todos, especialmente a Elninha.

    • ELNA MARIA A. TRINDADE disse:

      Obrigado! Haroldo Baleixe por esta homenagem a minha querida maezinha!
      Ela sempre foi um grande exemplo para todos nós, tinha atitudes tão atuais que deixava muito jovem boqueaberto.
      Obrigado! Maria Eunice pelo comentário carinhoso, estamos eternamente aguardando sua visita a Belem! Mil beijossss

  2. Maria Luiza Nunes Rodrigues disse:

    Isto serve de lição para todos nós!
    É sempre importante lutar pela vida mesmo que ela um dia não nos pertença mais, pelo menos neste plano daqui!
    Conheci a D. Elna no almoço do Círio, em 2006, na casa dela.
    Fui a convite da sua filha, Elninha, minha grande amiga da CAIXA!
    Infelizmente não tivemos muito tempo para conversar, mas percebi a sua grande vitalidade diante da família!
    Elninha, em breve espero chegar até ai para mais um Círio de Nazaré!
    Abraços e Beijos em você e em toda a família!
    Muita serenidade nesta hora!

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